sábado, 12 de setembro de 2015

Conheça o único bairro planejado para prostituição no país

Prostituição na Rua Pacaembu no Jardim Itatinga (Foto:Reprodução/ Google Street View) 
Uma placa que quase passa despercebida de quem dirige pela Rodovia Santos Dumont, na entrada de Campinas (SP), indica um dos locais mais “emblemáticos” do município: o Jardim Itatinga. O bairro, atualmente uma das maiores áreas de prostituição da América Latina, foi criado pelo poder público há 48 anos, em plena ditadura militar, para isolar as profissionais do sexo dos moradores para não “ameaçar a ordem” na cidade.
De acordo com a arquiteta, urbanista e professora Diana Helene, que estudou o bairro em sua tese de doutorado intitulada “Preta, pobre e Puta: a segregação urbana da prostituição em Campinas”, o diferencial do local é ter sido criado exclusivamente para concentrar, numa área distante da cidade, todas as atividades ligadas à prostituição.
“No Brasil não existem outros bairros criados do zero pelo planejamento urbano para esse fim, mas existem alguns em outros lugares do mundo, como o bairro planejado de prostituição no Marrocos, o “quartier reservé” de Bousbir, em Casablanca”, ressalta.
Santidade x pecado
Para a pesquisadora, a decisão de confinar a prostituição em uma área afastada do município, entre as rodovias Santos Dummont e Bandeirantes, foi baseada em conceitos morais e numa divisão entre dois papéis de mulheres que não poderiam conviver juntas.
“A ‘santa’ e ‘puta’, que não poderiam se misturar, principalmente com o grande crescimento urbano na década de 1960, devido a onda de industrialização. Lá as prostitutas estão protegidas para encarnar livremente seu papel, sem entrarem em conflito. Os clientes também ficam protegidos, de modo a não serem estigmatizados”, ressalta a professora.
“Operação Limpeza”
Por isso, a partir de 1966, com o apoio da opinião pública, a polícia começou um processo chamado de “Operação Limpeza”, que consistia em perseguir as prostitutas que trabalhavam de forma independente nas ruas da cidade e fazer acordos com as casas de prostituição para se mudarem para o novo terreno.
Nessa “cruzada” contra a prostituição, as profissionais do sexo foram deslocadas para uma “ilha” de estrutura precária em uma área na periferia da cidade, próxima ao Aeroporto Internacional de Viracopos. A região antes abrigava uma antiga fazenda de café chamada Pedra Branca, Itatinga em tupi-guarani.
“Essa urbanização acarreta uma divisão entre norte e sul, onde no norte é onde estão os terrenos mais valorizados, os condomínios e shoppings, a Unicamp, e no sul a maioria das ocupações informais, favelas, loteamentos populares e também o bairro de prostituição, demonstrando sua associação na localização urbana com os outros elementos indesejados”, afirma a pesquisadora.
Particularidades do bairro
Após vencer a distância, o visitante que chega ao Jardim Itatinga logo se depara com um universo onde tudo gira em torno da prostituição. Há até lojas especializadas para atender as necessidades das profissionais.
No bairro, os serviços sexuais são oferecidos todos os dias da semana, 24h por dia. As profissionais ficam dispostas de duas formas na zona de prostituição: algumas abordam os clientes nas ruas que chegam de carro, já as demais ficam espalhadas em boates.
Apesar da diversidade das mulheres do bairro, a maioria é jovem. “Diversas mulheres se iniciaram na prostituição trabalhando no bairro e grande parte veio de outras cidades do interior e muitas de outros estados. Ou seja, o bairro é uma localidade de referência de acolhimento de prostitutas iniciantes”, destaca a pesquisadora.
Sigilo
Ainda segundo Diana, a escolha de trabalhar numa “casa” do Itatinga, principalmente para jovens e iniciantes, se deve a possibilidade de manter a profissão em segredo. “Segregadas da cidade “normal”, escondidas nas casas especializadas, as garotas podem manter em segredo seu ofício”, explica.
No entanto, nem todos que moram no bairro vivem da prostituição, por isso ao caminhar pela região é comum encontrar nas portas das residências que não têm ligação com o mercado sexual placas de sinalização que dizem “casa de família”.
Marginalização

Segundo Fabiana Aparecida Ferreira, da Pastoral da Mulher Marginalizada, que atende as mulheres em situação de prostituição, apesar da consolidação do bairro e do “sigilo” que o confinamento fornece, o preconceito ainda é uma palavra presente na realidade de cada uma delas. “A discriminação é inerente. A sociedade não está interessada nessa realidade, porque tem a questão do tabu e da moralidade. Acham que ela tem vida fácil. Olhar para essa realidade é se despir de vários preconceitos”, explica.
Além da estigmatização, para Diana, o isolamento tira dessas mulheres o direito à diversidade urbana. “Seu direito à cidade é constantemente violado, impedindo-as de se
apropriarem da cidade como cidadãs”, afirma.


Decadência?
Apesar da concorrência com outros tipos de serviços sexuais, especialmente depois da internet, a professora não acredita que a área esteja decadente. “Pelo contrário, existem vários novos empreendimentos sendo abertos no Jardim Itatinga, acredito que em função do crescimento das atividades no entorno do bairro, com a expansão do Aeroporto de Viracopos”, destaca.
Para Diana, com a criação do Jardim Itatinga, o planejamento urbano conseguiu realizar o seu objetivo de separação, isolamento e confinamento. “Ao mesmo tempo produzindo um território marginal e estigmatizado: deu nome próprio e um lugar próprio para a prostituição na cidade, e mais, tornou o bairro um dos destinos da atividade mais conhecidos do país”, finaliza.


Do G1

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